Skip to main content

Publicações

AS REPERCUSSÕES DA PANDEMIA DO COVID-19 E A REGRA DE QUE OS CONTRATOS DEVEM SER CUMPRIDOS COMO FORAM PACTUADOS.

17 Julho 2023

Por André Felipe.

As repercussões da pandemia do COVID-19 e a regra de que os contratos devem ser cumpridos como foram pactuados.

A temática envolvendo a regra basilar do direito privado de que “os pactos devem ser cumpridos como foram pactuados” ensejou bastante controvérsia doutrinária e, até mesmo, jurisprudencial após o surgimento da pandemia do COVID-19. É bem verdade que, antes de tal evento, a discussão estabelecida em torno de tal questão era tipicamente desenvolvida de forma casuística, isto é, as regras normativas geralmente eram analisadas segundo as circunstâncias específicas de casos concretos que, em grande parte das situações, se solucionavam perante o Poder Judiciário.

Por outro lado, não se pode ignorar a contundência e a relevância das modificações legislativas aprovadas por meio da “Lei de Liberdade Econômica” – a Lei Federal nº. 13.874, de 2019 – que, por sua vez, consolidou, de forma expressa, a regra basilar de que o Estado somente poderá intervir nas relações privadas de maneira subsidiária e excepcional, quando a situação concreta assim o exigir. Em regra, o Estado deverá respeitar os pactos celebrados pelos particulares, de modo que a intervenção estatal somente ocorrerá de forma excepcional, inclusive quando tal ingerência for pleiteada por meio da função jurisdicional atribuída ao Poder Judiciário.

Foi a partir de tal perspectiva que o Poder Judiciário teve que assumir a incumbência de apreciar as controvérsias surgidas após a ocorrência da pandemia em relação aos particulares que se sentiram legitimados a pleitear a revisão dos pactos firmados por causa dos efeitos causados por tal circunstância.

Uma percepção fundamental que se deve ter, em meio a tal contexto, é que existe certo consenso de que a pandemia do COVID-19 corresponde a evento imprevisível e extraordinário, de modo que justificaria, em tese, a possibilidade de eventual revisão das condições pactuadas por particulares, cuja relação negocial tenha sido afetada em razão do advento de tal acontecimento.

Partindo-se de tal compreensão, o Superior Tribunal de Justiça buscou estabelecer os parâmetros interpretativos a respeito de tal controvérsia, sob a perspectiva de que os impactos da pandemia do COVID-19 não poderiam ser desprezados nem pelo Poder Judiciário, nem tampouco pelos particulares afetados.

Em caso paradigmático, a Terceira Turma julgou o Recurso Especial 2.032.878/GO[1], sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, e definiu alguns critérios cabíveis para justificar a revisão judicial de contrato paritário, uma vez que a controvérsia envolvia a revisão de contrato de locação entre shopping center e lojista. Na ocasião, a Terceira Turma concluiu que a superveniência da pandemia do COVID-19 seria circunstância que, por ser imprevisível e extraordinária, autorizaria a revisão judicial dos termos pactuados entre as partes, desde que, em contrapartida, os requisitos legalmente exigidos fossem demonstrados pela parte interessada.

Tais requisitos, por sua vez, estão distribuídos entre os artigos 317 e 478 do Código Civil e exigem que esteja caracterizado o desequilíbrio concretamente causado à relação particular afetada por tal evento, seja por meio da imposição de desproporção causada à prestação pactuada entre as parte ou a eventual onerosidade excessiva para a relação negocial, de modo que o seu equilíbrio, até então existente, tenha sido afetado de forma substancial e prejudicial.

Portanto, o Superior Tribunal de Justiça autorizou, excepcionalmente, a revisão das condições pactuadas para os casos concretos em que a parte interessada demonstrar ter ocorrido um efetivo desequilíbrio na relação negocial causado pela superveniência da pandemia do COVID-19, sob a perspectiva de que tal acontecimento deve ser caracterizado como imprevisível e extraordinário para as relações particulares.

Esse entendimento certamente se revela adequado e razoável para compatibilizar, de um lado, a garantia da intervenção mínima estatal nas relações particulares paritárias e, de outro lado, a garantia da boa-fé e da probidade negocial.

 

[1] STJ, REsp. 2.032.878/GO , Min. Rela. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 18.04.2023, disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202203248843&dt_publicacao=20/04/2023