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A Desconsideração da Personalidade Jurídica: Regras para Aplicação nos Processos das Relações de Consumo

25 Julho 2023

A Desconsideração da Personalidade Jurídica: Regras para Aplicação nos Processos das Relações de Consumo.

Por Gustavo Oliveira.

O desenvolvimento das atividades empresariais nos diversos ramos regulados sob às normas do microssistema é suscetível aos riscos que tendem aos litígios judiciais. Os dados do Justiça em Números de 2022 confirmam a alta litigiosidade da matéria, a segunda mais demanda na Justiça Estadual, sendo a primeira quando a análise se restringe aos Juizados Especiais Estaduais [1]. Como consequência da alta demanda da matéria “repetitiva” sobressai os riscos de relativação das regras materiais e processuais.

É exemplo da temática a relativização da autonomia da personalidade jurídica das empresas nos litígios judiciais, com a responsabilização dos sócios pelos atos da empresa, especialmente para o cumprimento das obrigações de pagar. Neste cenário, o Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de responsabilização dos sócios, mediante a desconsideração da personalidade jurídica, sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, a Teoria Menor para o incidente processual, nos termos do art. 28, § 5º, da Lei nº 8.078/90 [2].

A redação normativa com contornos menos precisos para o processamento e julgamento do incidente processual faz incidir, na prática, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para responsabilizar o patrimônio do sócio. Em artigo datado de 1992, Rachel Sztajn, professora da Universidade de São Paulo, já comentava a, então nova, legislação, quanto ao risco de abstração na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na forma do art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor [3].

Sucedeu, desde então, a aplicação do incidente processual de maneira mais alargada, tal qual depreende-se da redação específica ao incidente nos processos judiciais da seara consumerista.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em sua competência de uniformizar a interpretação das normas federais, no julgamento do Recurso Especial nº 1.900.843-DF [4], acolhido, por maioria, o voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, houve a importante distinção para desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresariais no contencioso consumerista, limitando o alcance subjetivo da aplicação do instituto processual aos sócios com poder de gestão da empresa, na forma do art. 28, § 5º, do Código de Processo Civil. Ou seja, reconhecendo que este não incide em desfavor dos sócios não gestores e dos gestores não sócios.

O precedente, apesar de não ser vinculante aos demais processos que tratam sobre a mesma matéria, serve de baliza para tanto para o julgamento das causas, quanto para a própria organização societária, indispensável para afastar riscos desnecessários à atividade empresarial.

[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2022. Brasília: CNJ, 2022. p. 278-279.

[2] Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. [...] § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[3] Em suas palavras “O § 5.º ao art. 28 da Lei 8.078/90 abre as hipóteses de aplicação da teoria da superação da personalidade jurídica. Essa regra, por si, bastaria para que os juízes pudessem, a cada caso, ponderar a necessidade e conveniência de desconsiderar existência da sociedade e a conseqüente separação patrimonial para efeito de imputação de responsabilidade.

Se o art. 28 tivesse por caput o § 5.º além dos §§ 2.º e 3.º, o consumidor estaria tutelado em face da separação patrimonial usada de forma iníqua ou inadequada. A imputação da responsabilidade patrimonial recairia, sempre, inicialmente, sobre a sociedade e, subsidiariamente, sobre os sócios, segundo a regra ou o padrão de eqüidade.”

SZTAJN, Rachel. Desconsideração da Personalidade Jurídica In: MARQUES, Claudia; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: teoria de qualidade e danos [livro eletrônico]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

[4] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.900.843-DF. Relator para Acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 23 de maio de 2023.