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Sociedade ou compropriedade no desenvolvimento de empreendimento imobiliário familiar?

10 Julho 2023

Por Georghia Costa

Sociedade ou compropriedade no desenvolvimento de empreendimento imobiliário familiar?

I – INTRODUÇÃO

As preocupações dos patriarcas e matriarcas com a sucessão patrimonial, sobretudo post mortem vinha em crescimento nos últimos anos. Contudo, após a pandemia do Coronavírus, o preocupante e enternecedor número de óbitos, têm gerado uma torrente na demanda por planejamento patrimonial e sucessório.

Os dados demonstram que já no segundo semestre de 2020 os registros de testamentos, que não possuem obrigatoriedade legal, aumentaram 14% quando comparado ao mesmo período do ano de 2019, consoante dados do Colégio Notarial do Brasil[1].

A quantidade de doações formalmente registradas também apresentou recrudescimento em 7% no segundo semestre de 2020, quando comparamos com igual período de 2019; foram quase 70 mil transferências de bens por ato gratuito intervivos. E já no primeiro trimestre de 2021 foram registradas 20,5 mil doações[2].

O crescimento não parou, pois no ano de 2022 bateu-se novo recorde, eis que foram “33,5 mil testamentos foram registrados no país”[3].

Veja-se, contudo, que não é igualmente passível de precisão numérica a quantidade de registro de novas sociedades patrimoniais (holdings) constituídas precipuamente com este fim de planejamento sucessório.

Logo, vê-se que a procura por arranjos jurídicos que poupem a perda de tempo e recursos com processos de inventário, na verdade, apresenta crescimento muito superior aos dados supracitados.

Ademais, a experiência tem demonstrado que, a procura por tais institutos jurídicos sucessórios que antes era realizada por pessoas acima dos 60 (sessenta) anos, muitas vezes por vezes por clientes já com a saúde comprometida, hoje é realizada também por pessoas entre 40 e 50 anos, que têm experienciado a realidade inexorável da brevidade e fragilidade da vida.

Em que pese a importância das considerações dos fatores sociais, psicológicos e econômicos que trouxeram esta mudança de horizontes no mercado jurídico de estruturações de modelos que supram a necessidade de resolução deste problema de transmissão patrimonial, a nós juristas, por melhor afinidade técnica, cabe a discussão sobre os institutos jurídicos mais adequados a cada caso.

Em verdade, sabe-se que não há receita ou modelo perfeito a todos os casos, eis que, até mesmo pelas características de nosso ordenamento jurídico, a legislação e jurisprudência digladiam-se em entendimentos sem uniformidade, e, consequentemente, com pouca segurança jurídica.

Tais fatores tornam o papel do advogado planejador ainda mais importante, pois assim como o médico necessita de precisão na prescrição de medicamentos, o jurista deve igualmente ser preciso no atendimento das demandas do cliente, recomendando os institutos que melhor atendem à situação posta.

A escolha dos institutos a analisar guarda relevo com a tendência de acúmulo patrimonial em imóveis existente nas famílias brasileiras, o que aumenta a importância dos arranjos imobiliários no âmbito do planejamento patrimonial.

 Dito isto, passaremos à análise dos institutos da Sociedade (pessoa jurídica) e da compropriedade, recortando-se para o espectro de análise dos empreendimentos imobiliários familiares, notadamente no contexto de planejamento sucessório.

II – DA SOCIEDADE

O conceito de sociedade depreende a análise anterior dos fatores que caracterizam uma empresa, eis que, com exceção da sociedade conjugal, tal instituto é normalmente conectado com a coexistência simultânea de uma pessoa jurídica com propósito específico.

Como bem asseverado pelo Professor Miguel Reale[4]:

“Como se depreende do exposto, na empresa, no sentido jurídico deste termo, reúnem-se e compõem-se três fatores, em unidade indecomponível: a habitualidade no exercício de negócios, que visem à produção ou à circulação de bens ou de serviços; o escopo de lucro ou resultado econômico; a organização ou estrutura estável dessa atividade.”

Cabe destacar, outrossim, que não há identidade entre sociedade e empresa. A sociedade constitui-se em forma jurídica na qual duas ou mais pessoas conjugam esforços com vistas a atingir um fim em comum. Neste âmbito, cabe ao direito regulamentar os interesses e obrigações dos sócios, a proteção de terceiros diante da entidade plúrima e a estrutura interna. Já a empresa, como visto, é a atividade econômica em si, pelo que abrange uma gama maior de interesses e envolvidos, incluindo-se empregados, consumidores, fornecedores, fisco etc.[5]

Assim, através de contratos e de acordos escritos (ficções jurídicas), é possível se estruturar um ente com personalidade própria e dissociada de seus sócios, fundadores e administradores.

A respeito de sociedade, o Código Civil estabelece que:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Claramente é preciso haver um fim comum a ser colimado pela sociedade, de modo que cada um dos sócios possa contribuir com bens ou serviços, para o atingimento deste objetivo.

No caso em estudo, que trata da sociedade constituída para organizar empreendimento imobiliário familiar, o que pode ser um condomínio edilício, um loteamento, galpões, dentre outros, é preciso atentar às intenções dos envolvidos, eis que nem sempre há a chamada contribuição reciprocamente advinda de todas as partes, como previsto na lei acima.

Neste caso, a sociedade empresária pode oferecer uma boa elasticidade na distribuição de lucros, eis que o contrato social e/ou o acordo de sócios podem prever várias formas distintas de remunerar os familiares sócios na dita empreitada.

Ainda, através da sociedade é possível prever a formas de gestão e controle do patrimônio, as decisões e a administração em si da sociedade, tudo de forma mais detalhada e exequível. Isto se faz relevante, sobretudo, quando há muitos familiares / herdeiros envolvidos, pois é possível celebrar vários acordos de sócios, formas de governança corporativa, Compliance para prevenir atitudes ilegais, due diligence[6] familiar e regras de convivência.

Outrossim, a constituição de uma sociedade personificada pode trazer economia tributária, em virtude da isenção aplicável aos dividendos, além de haver alíquotas menores para imposto de renda, quando comparadas com as alíquotas de pessoa física.

Ademais, é importante que a estrutura escolhida seja compatível com o porte do empreendimento, eis que tal fator irá impactar diretamente a forma de recolhimento tributário e o regime escolhido (lucro real, presumido ou simples nacional).

III – DA COMPROPRIEDADE

Na análise realizada neste breve artigo faremos o recorte em relação à compropriedade consensual, eis que a realização de um empreendimento imobiliário, para os fins desta análise, pressupõe a consecução de vontade dos envolvidos.

Mesmo porque, a título de comparação com o instituto da sociedade, cuja essência é a manifestação de vontade das partes em prol da exploração de atividade empresária em comum, não seria profícuo explorar neste curto espaço a compropriedade involuntária, que em nada se coaduna com a sociedade empresária.

Conforme conceito esboçado pelo Professor Marcelo Barbaresco[7]:

“A compropriedade consensual (ou voluntária) é aquela através da qual as pessoas se reúnem, de forma desejada e muitas vezes organizada estrategicamente, desde o nascimento da relação jurídica, com a finalidade de explorar conjuntamente um determinado imóvel pré-existente ou, então, sobre ele desenvolver novas edificações tendentes ao seu melhor aproveitamento e com relação ao mesmo buscar obter o seu máximo aproveitamento econômico.”

Interessante acentuar que, algumas compropriedades que nascem involuntariamente, geralmente em virtude de doação ou óbito de ascendente em comum às partes, em um futuro pode se tornar uma compropriedade consensual nos moldes delineados pelo Professor Barbaresco.

Melhor explicando, é comum que irmãos recebam uma propriedade imobiliária por herança e, após análise e reflexão, decidam voluntariamente explorar comercialmente a referida propriedade, gerando a necessidade de estabelecer pormenorizadamente a forma de exploração e exercício de seus direitos de propriedade. Assim, a compropriedade involuntária se convola em consensual.

Dessa forma, é essencial que os coproprietários realizem um acordo disciplinando a compropriedade, o uso, a administração e a destinação do bem, registrando o documento no livro 3 do Tabelionato em que se registra o imóvel. Este acordo seria uma espécie de convenção de condomínio civil apto a disciplinar tais regras.

A ausência de consenso pode gerar disputas judiciais, que tendem a resultar em decisões estritamente objetivas, sem que a vontade das partes seja expressamente atendida, engessando-se o uso do imóvel. Neste espectro, é interessante verificar julgado a respeito:

COISA COMUM. CONDOMÍNIO. PEDIDO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS. PEDIDO DE RATEIO DE DESPESAS DO IMÓVEL. CONDENAÇÕES FUNDADAS NA COMPROPRIEDADE MANTIDAS. RECURSO DA RE NÃO CONHECIDO. APELO DO AUTOR NÃO PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. Coisa comum. Pedido de arbitramento de aluguéis ao condômino que usufrui exclusivamente do bem. Pedido de rateio das despesas do bem ao condômino que dele não usufrui. Manutenção das condenações. Pedidos fincados na compropriedade. Recurso da ré não conhecido. Apelo do autor não provido, com observação. (TJ-SP - AC: 10082180220208260292 SP 1008218-02.2020.8.26.0292, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 28/09/2021, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/09/2021)

Como se verifica, ao final, a Justiça determinou que fossem seguidas as regras da compropriedade, a teor dos artigos 1.314 e seguintes do Código Civil, o que engessa a forma de uso da propriedade, em contrapartida às possibilidades existentes diante do leque de exploração em caso de estabelecimento consensual de regras.

Uma característica da compropriedade que vale a pena ressaltar é o caráter erga omnes (oponível a todos) dos direitos reais, que acaba gerando bem mais segurança jurídica do que simplesmente deter quotas de uma sociedade empresária detentora de bens imóveis. É dizer, o nome do proprietário está na escritura pública, registrado no Registro Geral de Imóveis competente, sendo inviável a venda do bem sem a sua ciência ou autorização.

Ainda, com o uso deste instituto é possível estabelecer:

“a existência de quóruns preestabelecidos para a tomada de decisões e a discussão acerca da possibilidade de ajustes em sentido diverso; a (im) possibilidade de divisão da coisa desde que observados certos elementos; como se define a destinação do bem e quais as condições de sua administração, ordinária ou extraordinária e, especialmente, as discussões acerca da modulação dos efeitos dos direitos reais.”[8]

Outra característica interessante de se manter a compropriedade em nome dos titulares pessoas físicas é que a estrutura acaba se tornando mais enxuta, com menos gastos de manutenção e menores preocupações contábeis de destinação, classificação de ativos e outros pormenores. Sobretudo em situações de operações específicas e empreendimento pontual, a manutenção da compropriedade é uma opção interessante aos familiares interessados no planejamento patrimonial.

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme demonstrado nesta análise, ambos os institutos apresentam características positivas, e em alguns pontos, similares entre si.

Em relação à compropriedade, as principais vantagens são: direito real erga omnes (mais segurança jurídica); o estabelecimento de acordo (convenção de condomínio civil) dispondo livremente sobre uso, destinação, forma de exploração, (im)possibilidade de divisão do imóvel etc.; custo menor com a manutenção da estrutura formal (contadores, advogados).

Então, ainda que, em contexto de planejamento patrimonial, os herdeiros recebam uma doação (ou herança) dos genitores e a compropriedade não seja exatamente voluntária, através das possibilidades legais do regime supracitado é possível torná-la consensual e assim estabelecer uma forma lucrativa de empreendimento familiar.

Quando falamos em uma sociedade personificada, as principais características, por sua vez, são: economia tributária; maiores possibilidades de previsão de controle e administração da empresa; possibilidade de distribuição distinta de ganhos advindos da exploração do imóvel.

Desta feita, a depender do volume patrimonial da família, bem como da variedade de atividades em que está envolvida e da quantidade de herdeiros detentores da titularidade do bem imóvel a ser explorado, a sociedade pode se destacar como o instituto mais adequado.

A característica mais importante, como demonstrado, é a manifestação de vontades ocorrer de forma consensual, pois a segurança jurídica dos negócios celebrados aumenta substancialmente.

Além disso, os titulares do imóvel terão de analisar, caso a caso, as prioridades de seus interesses e a forma de exploração do(s) imóvel(is) para que, com o apoio de uma consultoria especializada, possam adotar a estrutura jurídica mais adequada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

< https://cnbmg.org.br/valor-economico-demanda-por-testamentos-e-doacoes-continua-em-alta-com-nova-onda-de-covid/ > Visto em 30.09.2021.

<https://ibdfam.org.br/noticias/10405#:~:text=Ao%20todo%2C%20mais%20de%2033,testamentos%20foram%20registrados%20no%20pa%C3%ADs. > Visto em 15.05.2023.

BARBARESCO, Marcelo. Compropriedade e Sociedade: Estrutura, Segurança e Limites da Autonomia Privada. São Paulo: Almedina, 2017.

WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil, v. XIV: livro II, do direito de empresa. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira – Rio de Janeiro: Forense, 2005.

Georghia de Oliveira Costa – Advogada – André Elali Advogados

Pós-Graduada pela FGV/São Paulo. Especialista em Direito Privado e Direito de Família e Sucessões. Mediadora, com expertise em negociações corporativas. Graduada e Pós-Graduada em Direito pela UFRN.

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[1] < https://cnbmg.org.br/valor-economico-demanda-por-testamentos-e-doacoes-continua-em-alta-com-nova-onda-de-covid/ >

[2] Idem.

[3]<https://ibdfam.org.br/noticias/10405#:~:text=Ao%20todo%2C%20mais%20de%2033,testamentos%20foram%20registrados%20no%20pa%C3%ADs. >

[4] REALE, Miguel. O Projeto de Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986. Apud WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil, v. XIV: livro II, do direito de empresa. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 29.

[5] WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil, v. XIV: livro II, do direito de empresa. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira – Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[6] Due dilinge significa “diligência prévia”, referindo-se ao processo de investigação de uma oportunidade de negócio que o investidor deverá aceitar para poder avaliar os riscos da transação. Embora tal investigação possa ser feita por obrigação legal, o termo refere-se normalmente a investigações voluntárias.

[7] BARBARESCO, Marcelo. Compropriedade e Sociedade: Estrutura, Segurança e Limites da Autonomia Privada. São Paulo: Almedina, 2017, p. 39.

[8] BARBARESCO, Marcelo. Compropriedade e Sociedade: Estrutura, Segurança e Limites da Autonomia Privada. São Paulo: Almedina, 2017, p. 197-198.